Pau D’Arco”: documentário denuncia massacre e impunidade no Pará que vai à COP30

O documentário Pau D’Arco revisita uma das páginas mais sombrias do conflito agrário no Brasil – o massacre ocorrido na Fazenda Santa Lúcia, no Pará, em 2017, quando dez ocupantes rurais foram mortos em ação policial durante uma ocupação de terra. A produção, dirigida por Ana Aranha, lança luz sobre o silêncio institucional, a violência sofrida por camponeses e a persistente impunidade, preparando terreno para ser exibido na COP30, em Belém, como peça de acusação e reflexão.

Por mais de sete anos, o filme acompanhou o dia a dia das famílias envolvidas, testemunhas, defensores de direitos humanos e ativistas que mantêm viva a memória do ocorrido. Os relatos pessoais se entrelaçam a imagens que documentam conflitos fundiários, intimidações, ameaças e a dificuldade de acesso à Justiça. Para muitos, Pau D’Arco revela não apenas o horror do assassinato coletivo, mas também a carcaça burocrática que se ergue diante desse tipo de tragédia rural.

Uma narrativa marcada pela violência e pela omissão

Ana Aranha constrói a narrativa a partir de vozes que desafiam o medo. Um personagem central, chamado Fernando, sobreviveu ao massacre por ter se escondido sob o corpo do namorado, uma das vítimas. Ele escapou por pouco, mas pagou um preço alto: anos depois, foi assassinado com um tiro na nuca em frente à própria casa. O crime ocorreu em 2021 e foi enquadrado pela Justiça como latrocínio, embora amigos, familiares e a produção do documentário apontem que sua morte tem relação direta com seu papel de testemunha do massacre.

As investigações pós-massacre e o andamento jurídico são alvo de críticas na obra. É narrado como promotores ignoraram sinais de ameaças, como se a gravidade dos fatos não exigisse resposta proporcional. O Ministério Público do estado é retratado como omisso, especialmente no reconhecimento formal do assassinato de Fernando, não tendo comunicado oficialmente o ocorrido à Justiça.

Para além do cinema: uso político e simbólico

A proposta de exibir Pau D’Arco na COP30 vai além de levar uma produção cultural — trata-se de usar o documentário como veículo de denúncia, de reivindicação de justiça. A expectativa de seus realizadores é provocar mobilização tanto nacional quanto internacional, pressionar por mudanças jurídicas e pela reparação das vidas perdidas. Em Brasília, o filme teve uma exibição especial, que contou com a presença de autoridades de direitos humanos, e foi ali anunciado que a área ocupada na Fazenda Santa Lúcia deverá ser transformada em assentamento.

Esse gesto de transformar local símbolo de conflito em espaço de moradia oficial marca um reconhecimento simbólico, mas não alivia o peso da memória: os corpos legais, as mortas e os mortos, continuam pendentes de responsabilizações claras.

O impacto de uma obra urgente

Pau D’Arco chega num momento em que temas como reforma agrária, conflitos por terra, direitos humanos e proteção de testemunhas ocupam lugar central nos debates públicos. A produção já ganhou prêmios nacionais, circulou por festivais importantes, e agora se prepara para entrar em cena num espaço que reúne ministros, ativistas, negociadores climáticos e representantes internacionais. Sua presença na COP30 coloca em paralelo crises ambientais e crises humanas — a perda de vidas, consequência da concentração de terra e da disputa violenta, se torna parte relevante da questão das mudanças climáticas, da preservação cultural e dos direitos territoriais.

Justiça como urgência

A mensagem de Pau D’Arco é dupla: há o chamado à memória, para que não se esqueça do horror; e o chamado à ação, para que o Estado cumpra seu papel. A narrativa que une vítimas, sobreviventes e defensores lança luz sobre as fraquezas do sistema de investigação e julgamento. A impunidade não é tratada como falha técnica: é apresentada como implicância política e estrutural.

Quando Pau D’Arco for exibido na COP30, será mais que um documentário exibido em tela grande — será um espelho colocado diante da nação, perguntando quem paga por violações e até quando as vozes dos sem-terra serão reduzidas ao silêncio.

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