Quando o açaí vira alvo: o debate sobre segurança alimentar e o veto na COP 30

Uma das polêmicas mais comentadas no universo da alimentação e da saúde pública envolve um dos alimentos mais emblemáticos da Amazônia: o açaí. No contexto da COP 30, realizada em território amazônico, o fruto foi alvo de uma restrição incomum — a proibição de sua oferta nos espaços oficiais do evento — sob a justificativa de risco de transmissão da Doença de Chagas por meio da ingestão de alimentos contaminados.

O que motivou o veto

O edital originalmente divulgado para o evento listou alimentos típicos da região norte do Brasil — entre eles o açaí in natura — como “alto risco de contaminação”. A preocupação gira em torno do protozoário Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas, que pode ser transmitido não apenas pela clássica picada do inseto-vetor, mas também por alimentos adulterados ou mal processados. No caso do açaí, a hipótese é que a manipulação inadequada e a ausência de etapas como o aquecimento ou branqueamento favoreçam a preservação do parasita em circunstâncias específicas.

Transmissão oral e a produção do fruto

A mudança no perfil epidemiológico da doença de Chagas vem sendo objeto de estudos: embora a via vetorial continue relevante, a ingestão de alimentos contaminados tem sido apontada como responsável por uma parcela crescente de casos, especialmente em áreas amazônicas. A produção artesanal de açaí — muitas vezes à noite, com riscos de vetores presentes, sem aquecimento ou pasteurização — reúne uma série de condições sanitárias vulneráveis. Entre as boas práticas de higienização, reconhecidas por pesquisadores, está o branqueamento do fruto a cerca de 80 ºC por alguns segundos antes do processamento, etapa que elimina o parasita e assegura o consumo seguro.

Reação e repercussão cultural

O veto, embora sob fundamento técnico, despertou críticas contundentes por parecer conflitar com a identidade cultural amazônica. Para comunidades locais, o açaí vai além do alimento: é pilar da subsistência, símbolo de tradição e vetor de economia extrativista. Excluir o fruto de um evento internacional sediado na região equivaleu a silenciar uma parte da história local. A discussão revelou um paradoxo: enquanto se busca debater mudanças climáticas e sustentabilidade, por que impedir que o alimento mais representativo da própria Amazônia esteja presente de forma segura e regulada?

Ajuste e repercussão institucional

Diante da reação pública e de pressões de diversos setores, o edital da conferência foi revisado e o veto inicial ao açaí foi moderado ou revogado em muitos pontos. O episódio tornou-se não apenas um alerta sanitário, mas também uma reflexão sobre governança alimentar, cultura e políticas de saúde pública. O açaí, já enquadrado em normas de produção e comercialização, exige atenção no que diz respeito à rastreabilidade, processamentos seguros e capacitação dos produtores.

O que o caso nos ensina

Mais do que uma curiosidade midiática, essa controvérsia evidencia que a segurança alimentar não se resolve apenas por proibição, mas por educação, regulação e investimento em tecnologia. O açaí não precisa ser vetado — precisa ser adequado aos padrões sanitários. A falta de pasteurização ou de controle sanitário não é exclusividade do fruto; é reflexo de um sistema que ainda envolve fragilidades na produção regional.

Ainda hoje, consumir açaí com segurança significa buscar procedência, selo de qualidade e processamento adequado. Para a população em geral, a lição é clara: tradição e modernidade devem caminhar juntas. E no palco global, como o da COP 30, o alimento que representa uma região tão rica precisa integrar a pauta — com visibilidade e segurança — e não ser excluído por simplificações ou estigmas sanitaristas.

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